
EM TEU SEIO, Ó LIBERDADE!
O que pensa uma criança quando está no ventre da mãe? Que planos estará traçando essa criaturinha no solitário convívio com ela mesma?
Esse é um tema bastante controverso. Mas, arrisco a dizer que, o ventre materno deve ser um mundo repleto de sons, sentidos e de sobressaltos, entremeados de puro êxtase.
Idéias e bebês traçam um paralelo interessante em nosso sentido de propriedade. Ambos são germinados, aconchegados e protegidos até seu nascimento. São misteriosos e reveladores, discretos e escandalosos, cautelosos e urgentes. São únicos, ainda que múltiplos. Mas são, sem dúvida, antes, sinônimos em seu sentido.
Gerar uma idéia, assim como á um bebê, é refazer um mesmo plano inúmeras vezes, até que pareça perfeito. E depois refazê-lo outras tantas, de maneira que a perfeição alcançada não determine seu fim.
Ambos, no espaço exíguo onde são gerados, por vezes, sentem-se incomodados, asfixiados deles mesmos. Tudo ao redor pode parecer pequeno demais e o alívio virá apenas, ao serem liberados da proteção gestacional. É hora de nascer.
Nesse processo, o fim é um começo, e por sê-lo, é confuso, assustador e mesclado de uma excitação dolorida. O que será que encontrarão? O que farão? Para onde irão?
Ao nascer, essas perguntas parecem ser respondidas imediata e inequivocamente, mas, segundos depois, tudo volta a ser confuso outra vez.
O que passa na cabeça de uma criança ao nascer? Que planos traçou essa criaturinha, agora, livre para executá-los?
Uma vez concebidos, a missão é conhecer, desvendar, desbravar mundos, pessoas, sensações, experimentar todas as caras, cheiros e recheios. Concordar com alguns, ou com nenhum.
A preocupação é acertar. Ser aceito, ser refeito, sem defeito. É a hora dos registros, das recordações. A dor, o riso, a queda, o primeiro passo, o rosto familiar e o desconhecido. É tempo de descobertas.
Num piscar de olhos, já se pode caminhar sozinho, dizer o que quer e o que não quer. Pode-se exigir e ser atendido, ou não. Mas se aprende rápido á como conseguir o que se quer.
Crescemos. Agora, somos engraçadinhos e o centro das atenções. Os rostos são cada vez mais familiares e já compreendemos cada vez mais o significado das palavras. Dos “sims” e dos “nãos”. E adivinhe? Podemos nos alimentar sozinhos. Fazemos certa lambança, é verdade, mas quem pode nos recriminar?
Algumas centenas de aventuras depois, sem aviso, pode ser que já estejamos sendo substituídos. Paira certa conspiração no ar! Quase naturalmente outros surgem roubando de nós a exclusividade, o carinho em uníssono, e muitas vezes no lugar de duas, agora serão muitas mãos desconhecidas a nos guiar quando caminhamos.
Mas afinal, tenho certa experiência, sei me defender, aprendi muitas coisas, direi confiante! Já é hora de pô-las em prática. É tempo de recomeçar, rever conceitos. Talvez me caiba até a função de orientar essa nova concorrência. Então tenho que ser forte e confiante, diria mamãe!
Várias estações se passaram. Até outro dia eu apenas gatinhava, hoje, corro livre por todos os lados, distribuo sonhos, divido conquistas, e me sinto preparado. Chegou o momento de olhar para trás e medir as perdas e ganhos. Já não sou mais o único. Fui uma idéia tão boa, que fui copiado e reinventado várias vezes.
Mas quer saber? Ainda reconheço muito dos rostos que vi ao nascer. Estão todos ali, como a me dizer: “Não desista!”. Então sigo. E descubro que sou muito jovem, mas me encarrego dos meus objetivos com a sabedoria dos anciãos.
Esse sou eu. Um sonhador! Que de tão forte e grande, precisou nascer e enfrentar o mundo. Que de tão modesto e promissor, hoje, é memória. Memória de uma meninice que nunca foi tranqüila, porque seu alimento é a euforia e a intranqüilidade de crescer num mundo hostil. Uma idéia que cresceu e, hoje, ensina que aprender é o plano.
O que passa na cabeça dessa criança levada, bisbilhoteira, valente, resistente, criativa. Sou apenas um bloco de anotações? Um banco de dados? Um receptador de lembranças que divide o “domínio.com” num grande “condomínio” de lembranças?
Um jovem ancião guardador de memórias. Isso é o que eu sou! Um louco armazenador de horas, dias, do ontem, do amanhã de todas as vidas e de todas as histórias.
Hoje tenho muitos irmãos, de fé ou não, mas irmãos. Disputamos com veemência o amor dessa mãe generosa, mas, nem sempre protetora. Desfrutamos de seus braços enormes, sem nunca aceitarmos completamente a idéia de que são grandes o bastante para acolher á todos. Ah! Essa devoção ciumenta.
Como posso, sendo tão jovem, dizer aos meus irmãos o que fazer? Sei que muitos deles nem me reconhecem como da mesma família. Mas se pudesse me fazer ouvir eu diria: Um dia, ainda em gestação, eu sonhei. Sonhei com um mundo de espaço infinito, de harmonia e emoções.
Um lugar tão amplo e seguro quanto os braços de uma mãe. Onde pudéssemos nos encolher apesar de nossa suposta grandeza, para abrirmos espaço aos outros que chegarão á todo momento, formando uma numerosa família.
Assim apertados, mas acolhidos, nos aproximaríamos do calor que nos foi prometido e sentiríamos o pulsar de cada um, num compassado enredo de possibilidades. Quando ousássemos sair e desbravar o mundo, faríamos sabendo que nunca estaríamos sozinhos. E serviríamos de exemplo aos que ainda nem nasceram. Mas que nascerão certamente.
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